Fazendo a mudança

Protagonizando o pioneirismo na dramaturgia e na vida real, a atriz brasileira mostra como é possível abrir caminhos para o futuro

 

por Cristina Padiglione

Ainda criança, Taís Araújo aprendeu que era preciso construir seus próprios ícones. As princesas da Disney e as Barbies eram brancas, tal qual suas coleguinhas de escola — ela era a única afrodescendente da sua turma em uma escola de classe média alta. Aos 17 anos, foi a primeira protagonista negra de uma telenovela brasileira, Xica da Silva, que foi ao ar em 1996 retratando a história de uma escrava libertada após se casar com um rico português nos tempos do Brasil colônia. Depois foi colecionando pioneirismos na teledramaturgia. Quando se tornou a primeira apresentadora negra de um programa sobre beleza, o Superbonita, na TV a cabo, abriu uma avenida para que as meninas negras desfilassem a sua beleza e se orgulhassem do seu tipo físico.

Hoje, aos 42 anos, é estrela de primeira grandeza e inspira as novas gerações. Habituada a se manifestar sobre feminismo, racismo e outras temáticas sociais, Taís falou com exclusividade à Explore sobre seu papel como cidadã e artista na sociedade. Nada a mobiliza mais, no entanto, do que a educação, fator de incontestável eficiência na transformação do mundo. Casada com o ator, diretor e ativista Lázaro Ramos, cria seus filhos João (9 anos) e Maria (6 anos) para serem a mudança que ela quer ver na sociedade.

Acervo pessoal.

Aos 17 anos, interpretando a ex-escrava Xica da Silva; brilhando na novela mega-sucesso Cheias de Charme; em Mr.Brown, primeiro seriado protagonizado por uma casal negro na TV brasileira e como apresentadora do reality show Superstar

“Acabei percebendo que consciência ambiental sem ação serve para pouquíssima coisa, quiçá para nada”

Nos últimos 30 anos, o mundo mudou profundamente em relação a pautas femininas, raciais, sociais e ambientais. Como você se vê na engrenagem dessas transformações?

Eu me coloco a serviço dessas transformações. Acho que a gente é ferramenta e motor desse processo, que acontece de várias maneiras: muitas coisas andaram para a frente, muitas coisas andaram para trás. Ontem eu vi o diretor Jorge Furtado contando que a primeira coisa que ele escreveu para a TV Globo foi na série Delegacia de mulheres, em 1992, um episódio que falava sobre aborto. E ele concluiu: “Em 92, nós estávamos no futuro, mas era um episódio que eu jamais poderia escrever hoje”. Não poder discutir temas que dizem respeito à sociedade é um retrocesso absurdo; por outro lado, não fazer humor sobre características físicas das pessoas é um avanço.

 

No saldo final, melhoramos ou andamos para trás?

Em algumas coisas, temos avanço, em outras, retrocesso. Na questão da mulher, há vários avanços. Mas tem outros temas que mostram muito retrocesso na história e no Brasil, hoje, especificamente. Mas eu sou bem positiva, sem ser Poliana, tá? (risos) Acho que é a história: a gente dá dois passos para trás, para depois dar cinco para a frente. Sabe quando Lewis Carroll fala da Alice, que é preciso diminuir para poder crescer? Quanto ao retrocesso me parece algo assim: a sociedade dá sinais de que precisa avançar, mas quem não quer abrir mão dos privilégios fica gritando loucamente. Isso me parece muito uma gritaria de desespero, mas é uma história que não dá mais para andar para trás.

 

Você atuou em produções engajadas, como a peça O topo da montanha, que aborda os últimos momentos da vida de Martin Luther King, e a série Aruanas, focada na luta pela preservação da Amazônia. Que impacto esse tipo de ficção tem sobre você?

Sou uma artista, preciso ter liberdade para fazer todo tipo de trabalho, tanto os que têm engajamento quanto os que não têm. É claro que os projetos engajados dizem muito do que eu sou como cidadã e artista. Vou falar sobre temas que me tocam, que acho que são também urgentes para a sociedade. Eu, Taís, não acredito que seja função de todos os artistas adotar causas, mas eu escolho adotar. A escolha é de cada um. Aruanas, por exemplo, foi um trabalho que me mudou muito. Eu achava que tinha alguma consciência da questão ambiental, mas acabei percebendo que consciência sem ação serve para pouquíssima coisa, quiçá para nada. Quando diz respeito ao meio ambiente, a gente precisa agir. Você pega um avião para trabalhar e está deixando pegadas de carbono por aí. Eu fui aprender como reduzir isso. Você faz uma conta, ou vai a uma startup e eles te dizem, diante do que você consumiu, quanto gastou de carbono e quantas árvores precisa plantar para compensar seu consumo. Ao contar isso, como figura pública, ajudo a difundir essa dinâmica. Sabe quem me alertou sobre essa possibilidade? A minha prima. Ela é auditora, trabalha numa multinacional, e me falou: “Você sabe que pode devolver ao planeta tudo o que você usa?” Eu não sabia disso. Eu me senti tão ignorante de não saber, que eu fiquei muito motivada de fazer essa conta. Já existem empresas que estão trabalhando nesse sentido. Tem locadora de carro, por exemplo, que já diz lá quanto estão compensando. Outra maneira de a gente se mobilizar é se comprometer a consumir de empresas alinhadas com a sustentabilidade.

 

O momento ambiental no Brasil é muito delicado, por isso as personagens de Aruanas, dramaticamente inseridas nessa luta, parecem bem reais. Como sensibilizar o público?

A série Aruanas foi escrita por dois ativistas, Estela Renner e Marcos Nisti. Tudo é baseado em história real. Tivemos muito contato com o pessoal do Greenpeace, e as histórias são todas verdadeiras. Parece coisa de filme de ação. Por isso é que a imagem do Greenpeace é tão forte. A vida do ativista ambiental é de muita exposição. É usar o corpo como escudo.

Acervo pessoal.

Compartilhando o palco com o marido Lázaro Ramos na peça O Topo da Montanha, um sucesso que retrata os últimos momentos de Martin Luther King, em que também foi produtora.

Acervo pessoal.

Um especial de comédia para a TV Globo sobre o comportamento das pessoas durante a quarentena.

“Tenho na minha família exemplos de como a educação pode transformar a vida de uma pessoa”

Outra novela que marcou posição foi Cheias de charme, de 2012, que mostrava três domésticas ganhando protagonismo ao fazer sucesso como grupo musical. Era uma comédia, mas vinha temperada com críticas sobre desigualdade social. Quando esse engajamento chega pela arte, e não pelo jornal, é mais eficiente?

Totalmente. É esse o poder da comunicação, do audiovisual, da música, da literatura, é esse poder de transformação, porque vai na alma da pessoa, vai no coração. Cheias de charme é uma novela que quebrou vários preconceitos e deu vários recados. Um recado pessoal, para mim, é que depois dessa novela eu não classifico nenhuma música como ruim. Você pode não gostar e não querer consumir, mas se o estilo de música leva 20 mil, 30 mil pessoas a um show, ela é boa para aquelas 20 mil, 30 mil, e você não pode ignorar isso.

 

Qual ônus é maior para um artista: o de se posicionar ou o de ficar em cima do muro?

Isso depende muito do que faz sentido para esse artista. Para mim, não faz sentido não me posicionar, mas tem gente que não quer. Tem gente que não gosta de se posicionar por muitos motivos: não quer se expor, ou tem medo (e é para ter medo mesmo!). Tem gente que não está com as ideias organizadas. Quanto a mim, eu acho que vale a pena. Você vai fazer o quê? Vai deixar pisarem com o calcanhar na sua testa até quando?

 

Quais os temas que mais a mobilizam?

Nada me mobiliza mais do que educação. Na pauta ambiental, ainda estou engatinhando. Ela é difícil de ser tocada, as pessoas acham o assunto chato. Apesar de ela dizer respeito a todos nós em 100%, é uma questão complexa de comunicar, porque é difícil mudar hábitos. As pessoas acham que a Amazônia é tão distante! Acham que a Amazônia é só tema do Globo Repórter, não se sentem pertencentes, e um dos motivos é que ir para a Amazônia é caríssimo. Se tivessem a chance de ir, iam se mobilizar.

 

Educação é uma pauta motivada pela rotina de quem cria filhos?

Educação sempre foi um tema meu, porque eu tenho na minha família exemplos de como a educação pode transformar a vida de uma pessoa. Os meus pais são os únicos da geração deles formados em universidade, e realmente a gente tem uma vida muito diferente do resto da nossa família. E a gente deve isso simplesmente ao alicerce da educação.

 

Que expectativas você alimenta para a geração dos seus filhos?

Deste lugar onde estou, é muito difícil falar sobre a educação dos meus filhos e a da população em geral. Estou falando de duas crianças muito privilegiadas. Mas quando a gente pensa que, por causa da pandemia, entramos no segundo ano com a maioria das crianças do Brasil longe da escola, eu não sei o que responder. É claro que falando da educação que dou para os meus filhos, com as oportunidades que eu tenho, o mundo vai mudar, e eles vão ser agentes dessa transformação.

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